segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Carta para Nuremberg

Eu estive em meio aqueles corpos moribundos, quase sem alma antes mesmo de morrer. Eu estava ali, sem saber o porquê. E mesmo quando tentavam me explicar, eu não conseguia entender. Eu, que já tinha ouvido muitas história cruéis, não imaginava que aquela capacidade de crueldade podia ser atingida.
Juntamente com a liberdade, eu perdi toda minha dignidade enquanto perdia quilos. Eu perdi também minha mulher e meus dois filhos, um de quatro e um de cinco.

Eu pensava que só uma cova me tiraria dali, e foi bem assim...
No dia do fuzilamento eu caí junto com os outros, mas nem um tiro me acertou. Não sei se por muito ou por pouco, mas quando começaram os tiros eu só pensava em me atirar. Quando os meus ladeados começaram a cair eu me joguei. Simulei a minha morte, quase morto, e vivi. Pior pra mim, que ainda ouço aqueles gemidos, que foram grunhidos ao pé do meu ouvido. Gemidos de dor ou quem sabe até de louvor por estar em agradecidos. Afinal aquele era um descanso mais que merecido.

Se houve algum propósito para eu estar ali, eu queria descobri-lo. Eu ainda não consigo entender tudo aquilo. É claro que hoje, quando eu calculo as perdas, eu concluo que também deveria ter morrido. Tive somente perdas. O que recuperei foram somente alguns quilos. Não tenho casa, emprego, mulher ou filhos. Hoje faço partes das estatísticas, uma mínima, de pessoas sobrevivas, enquanto minha família faz parte dos escombros.

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