segunda-feira, 23 de março de 2009

Olhos vermelhos

Lúcio era um homem comum, com mulher e filho, classe baixa, renda no patamar dos milhões.
O destino ceifa a vida de sua esposa, o deixando com a companhia de Josué. Um menino novo e cheio de curiosidades, com muito para aprender.
O apaixonado homem blasfema e se entristece fortemente, com a insônia o perturbando, o filho o questionando, as respostas escapando, e só aumentava a dor por lá. Lá, na alma, no peito, nos sentidos e sentimentos, na saudade e na carência de alento.
Virou costume saídas no meio da noite, pra pensar, ou pra para de pensar, e o deixava o filho sozinho. - "Ainda bem que é pequenino, mas mais difícil será para criar". - pensava o homem.

Em uma dessas andanças noturnas, o homem encontra outro. Olhos vermelhos, roupas sujas, barba grande e a rua como casa, ou vice-versa. Isso chamou a atenção do primeiro homem, o pai do menino, que foi falar com o mendigo, pois o mesmo o chamou.



- Venha cá seu moço, preciso de um favor.

- Diga-me, o que posso fazer pelo senhor?

- O meu desejo e simples. Quero que fique com isso. - disse o velho João, mostrando uma espécie de copo bonito, que apesar de sujo, percebia-se que no objeto havia brilho.

- Mas por que o senhor quer que eu fique com isso.

- Pois essa desgraça já me fez muito mal.

Pensando ser apenas um copo qualquer, Lúcio imaginou que o velho se referia a alcoolismo ou algo do gênero.

Continuou o velho a resmungar:

- Há anos carrego isso. Já me deu algumas passageiras alegrias, mas no fim vejo que isso é uma maldição. Veja só como estou. Eu não era assim. Já tive de tudo que você imaginar, e sem dúvida isso é uma desgraça. Tome. Talvez você possa fazer bom uso. Coisa que eu não soube fazer.

O velho entregou a Lúcio o copo, que pegou sem entender e replicou:

- Mas por que o senhor disse que isso é uma maldição?

- O que você faz caminhando sozinho, às três da madrugada na rua?

- Nada! Mas o que isso tem haver com a pergunta que lhe fiz?

- Homem, eu creio que você está atribulado. Um homem jovem, que não me parece ter problemas mentais, não andaria por essas ruas, nessa hora, sem que houvesse algo que o perturbasse.
Este é um copo precioso. Ele faz um milagre, que ninguém acreditaria se contassem, por isso nunca o revelei. Ganhei de um velho, e agora lhe passo e peço-te cuidado com ele. Este copo, através de suas lágrimas, lhe dará riquezas. E como é um fato absurdo de ser contado, você não o fará e se tornará um egoísta da pior espécie. Cuidado homem, cuidado!

O velho João virou as costas e saiu.

Lúcio abriu um pequeno sorriso e pensou: "É... Vejo que há gente em pior estado que o meu nesse mundo!"
Continuou andando, até achar um banco de praça, onde se sentou. Ali mesmo, com sua camiseta, limpou o copo e olhando-o, o tempo foi passando, o Sol apontando e mostrando que era hora de ir embora. A tristeza era a mesma, e ainda ali, sentado, as lágrimas reapareceram. Como dito antes, distraído estava o homem, que deixando o copo no chão, este recebeu algumas de suas lágrimas. Enfim o Sol apareceu, o homem pegou o copo e ao levantar-se sentiu que havia algo no mesmo. Algo pequeno, brilhoso e bonito.
Ele, naquele momento não sabia, mas o que estava dentro do copo eram diamantes.
Ele pegou as pequenas pedras, colocou em seu bolso e foi pra casa. Já em casa, guardou as pedras e o copo em uma gaveta, incomodado com aquilo.
"- Como surgiram essas lindas pedras nesse copo velho? Parecem diamantes!" - Pensou o homem, e planejou levar as pedras para saber o que era aquilo.

Procurou um homem que entendesse do assunto e que também fosse de sua confiança. Lúcio encontrou o tal homem, que era especialista em pedras preciosas, que constatou que as pedras do copo eram diamantes.
De imediato Lúcio procurou vendê-las, e o fez. Com um bom dinheiro foi para casa não tão triste mais. Levou seu filho para passear, comprou presentes para o garoto que ficou tão feliz, mas não só pelo fato de estar ganhando presentes, mas por ver seu pai sorrindo novamente, depois de tanto tempo com aquele clima pesado em casa.

Entendera Lúcio o que o velho João, naquela noite, lhe dissera. Pensou por toda a semana nas palavras do mendigo e lembrou que o velho usou com ênfase as palavras: maldição e cuidado.
Meses se passaram e uma normal vida começou a surgiu naquela incompleta família. Lúcio, que apesar de ter ganhado um bom dinheiro com as pedras, ganhou toda a grana com fim de alegrar-se e também fazê-lo com seu filho. E como o homem não tinha tanto dinheiro anteriormente, fez questão de gastar rapidamente, aquele presente que o copo lhe deu.

Lúcio e seu filho Josué acostumaram, naquele pequeno tempo a estarem com os bolsos cheios, e com o fim do dinheiro, as coisas começaram a piorar. Lúcio lembrou-se novamente do velho e chorou. No copo, poucas lágrimas caíram, porém, pedras surgiram.
Lúcio as vendeu, e por mais um espaço de tempo alegrou-se. E assim foram correndo os dias, meses e até anos. Lúcio, como previra o velho, não contou a ninguém sobre o copo. Nem Josué sabia do objeto milagroso. Egoísta, porém cuidadoso, Lúcio sabia que se contasse a alguém, para que acreditasse, ele teria que provar. Coisa que ele não estava disposto a fazer.

Josué, já crescido, com seus 15 anos, percebe que seu pai não trabalha e assim como muita gente já fazia, começa, em sua mente, a questionar o porquê daquilo. Como seu pai tinha tanto dinheiro, sem nunca fazer nada para merecê-lo?
Porém o garoto tinha tudo que queria e quando queria. Questionar o pai poderia mudar algumas coisas. - "Melhor deixar como está." - pensou o rapaz.

O rapaz cresceu e como nós seres humanos somos ávidos de curiosidade já dava pra prever que algum dia Josué iria querer saber de onde vinha aquela riqueza.
E já com seus vinte e dois anos ele chega a sua casa e encontra seu pai chorando e resolve conversar com ele.

- Pai, está tudo bem com o senhor?

- Sim filho, eu estou bem sim!

- Mas por que esse choro então? Diga-me, vamos conversar.

- Filho, eu estou bem acredite. Esse choro não passa de uma mera sensação estranha que senti. Quem sabe um dia eu possa te contar sobre ela.

- Bem, se o senhor diz, vou crer. E quando quiser contar sobre a sensação é só falar. Estou por aqui...

E daquele começo de papo veio um meio, e o fim demorou a chegar. Conversaram muito tempo. Como velhos e bons amigos em um reencontro ele contou a seu pai várias coisas e seu pai da mesma forma. E naquele período onde eram amigos confessos o rapaz finalmente quis saber...

- Pai, conte-me uma coisa. Todo mundo diz coisas a seu respeito que sei não serem verdadeiras, porém há o motivo para falarem. É essa sua riqueza. Como o senhor a possuiu e como a mantém? Pois lembro que na minha infância não éramos ricos assim e de uma hora pra outra o senhor passou a dar de tudo pra mim. Conte-me pai, como isso aconteceu e acontece?

- Bem meu garoto, eu sabia que um dia esse dia chegaria. Há muito tempo, quando você ainda era criança, após a morte de sua mãe eu fiquei triste e desnorteado querendo morrer e costumava andar nas ruas pra ver o tempo passar e pra tentar pensar em alguma coisa que me motivasse a viver, e a única coisa que não fez com que eu deixasse de viver foi você. E certo dia andando encontrei-me com um velho que me deu um copo, e após fazer várias recomendações me contou que aquele era um copo milagroso que traria riquezas. Eu a princípio não acreditei até que por acaso aconteceu comigo. Chorando sentado em um banco de praça as lágrimas caíram no copo e eu vi diamantes brilharem lá dentro. E sobre aquela sensação estranha que lhe falei, ela não existe. Foi apenas um modo que achei pra não te dizer isso e tentar não mentir pra você. E sei que você agora deve estar achando que estou louco, porém aqui estão os diamantes, aqui está e é daqui, desse copo velho que provê nossas riquezas. - disse Lúcio, mostrando o copo para Josué, seu filho.

E o rapaz retrucou:

- É pai, eu realmente estou achando que o senhor está louco, mas essa história acrescida de ver-te chorando e esses diamantes nesse copo fazem minha curiosidade mais aguçada e me leva a crer, nem que seja por pouco nessa história. Seria possível que o senhor me provasse melhor?

- Como? Chorando? (risos)

- Sim. (risos)

- Pois bem... Já tenho várias artimanhas pra chorar, apesar de quase nenhuma delas estarem mais adiantando. Pegue pra mim uma faca e uma cebola.

Levantou rapidamente com um pequeno sorriso nos lábios e foi até a cozinha e voltou com o que seu pai pedira.

- Aqui estão pai...

- Obrigado. Agora veja. - disse Lúcio retirando os diamantes que já estavam no copo e os guardando e colocando o copo entre suas pernas. Começou a descascar a cebola...
Depois de descascar, apertá-la perto dos olhos, saíram algumas lágrimas e Lúcio rapidamente colocou o copo na direção em que as lágrimas cairiam. Enfim, as lágrimas caíram no copo e os dois viram que quando as lágrimas caiam já se tornavam diamantes. E apesar de seu pai já ter contado toda história do copo, Josué ficou surpreso e maravilhado com o acontecido. Naquele momento passou milhões de coisas pela sua mente.

- Pai, isso é incrível!

- E agora, crê?

- E como eu creio. - disse o garoto sorrindo.

Com o passar dos anos estava cada vez mais difícil chorar, pois chorar sabendo que aquilo era para ser alegre não era fácil nem para um bom ator, e as artimanhas usadas, como a da cebola, nem sempre estavam dando certo, pois o homem já havia chorado muito em sua vida. Mas após contar para seu filho, o homem viu nele uma nova fonte de riquezas, pois agora o rapaz poderia chorar pelos dois. Só que o homem percebeu que com aquela alegria seria difícil fazer o garoto chorar...

Mas o homem não percebera que aquele rapaz crescera rodeado de facilidades e agrados, e seria fácil fazê-lo fazer o que pretendiam, pois ninguém é satisfeito com o que tem, e o que o garoto iria querer perder o que já tinha.

Com o passar do tempo já choravam pai e menino, que depois sorrindo iam desfrutar cada vez mais das riquezas com tempo a passar.

Josué começou a investir e multiplicar mais o dinheiro que ganhavam. Seu pai lhe ensinara como ficar mais verde o caminho. Nunca satisfeitos, quando um não tinha tempo, o outro tentava chorar sozinho. Com mais frequência o menino, pois seu pai já estava velho, quase sem lágrimas e muitos compromissos.

Com o passar do tempo Josué tinha insônia por estar pensando em lucrar. O dinheiro o fazia louco, literalmente. Ficou um homem perturbado por conta do copo milagroso.

Lúcio já estava com bastante idade, porém ainda muito disposto a viver. Ele e o filho tinham os melhores médicos a disposição para cuidarem da saúde deles.

Lúcio, às vezes tentava, mas já não estava conseguindo chorar, para o milagre do copo acontecer, e deixou esse cargo inteiramente para Josué, que também já tinha certa dificuldade em chorar.

Com a idade na casa dos 40, Josué passou a ter muita dificuldade em chorar, pois chorou muito o rapaz ganancioso, e as artimanhas falhavam quase sempre.

Percebendo que a cota de lágrimas chegava ao fim, Josué ficava cada vez mais perturbado com aquilo e procurava incessantemente meios para poder fazê-lo, porém não encontrava.

O ditado de que tudo que vem fácil se desfaz da mesma forma eles, pai e filho, viam acontecer com seus bens. Lúcio com bastante idade não ligava tanto, porém Josué se desesperava cada vez mais e só tentava fazer acontecer o milagre do copo.
Talvez por modo de força ele não chorasse, mas era fato que ele parou com menos idade que seu de ver as pedras do copo surgirem.

Louco o bastante, Josué tem uma idéia despiedosa e cruel, e pretende realizá-la.
Com seus negócios quase todos falidos, e os que ainda não estavam, estavam falindo, pois os confiou as lágrimas, cada dia que se passava Josué queria antecipar a prática de sua idéia.

- Na semana que vem. Disso não pode passar. - pensou ele.

Planejou tudo cuidadosamente e não contou a ninguém, pois se tratava de algo que feria as leis e a moral de grande forma.

Veio a semana posterior, aquela que Josué planejara realizar sua idéia.

Fez com que seu velho pai saísse de casa, para o preparo.
E Lúcio saiu...

Preparou tudo, frio e cuidadosamente para que desse tudo certo.

Quando seu pai chegou viu...

Josué estava empunhando uma grande faca no braço direito, e tremia chorando.
Lúcio não viu o copo por perto, e achou estranho ver seu filho chorando e uma faca segurando, e quis saber o motivo.

- Está tudo bem com você meu filho? - questionou Lúcio.

Josué nada respondeu, e ficou estático até que seu pai se aproximasse dele. Ele foi até a porta por onde seu pai entrara em casa e a trancou. Seu pai repetia a pergunta que fizera quando chegara, porém Josué nada respondia. Até que foi andando na direção de seu pai, e este percebendo a aflição que seu filho, abriu os braços para abraçá-lo...

Ao chegar bem perto de seu pai, Josué levantou o braço direito e com um golpe certeiro enfiou a faca no coração de Lúcio. Não bastasse o golpe mortal, Josué repetiu o golpe em várias partes do peito de seu pai. Logo em seguida pegou, escondido em baixo de sofá, o copo milagroso, e chorou como nunca...

Lúcio se esquecera de precaver seu filho como fizera o velho João naquela noite onde ganhou o copo. Crescera Josué um menino ganancioso que posteriormente não soube ser cauteloso com seu dinheiro e emoções chegando a um nível bárbaro de loucura.
Matou seu pai em busca dos diamantes do copo...

Josué chorou e chorou, por um longo tempo. Alguns diamantes surgiram. Não muitos, por que apesar de ter chorado bastante, ele não fez questão de mirar tanto no copo. Ele percebera seu estado e chorava verdadeiramente naquele momento.
Levantou-se do chão ensanguentado, ciente do que fizera. Olhou para o corpo de seu pai e lembrou-se de toda a sua vida. Não parava de chorar...
O seu lado ganancioso pegou o copo no chão e como não era um copo tão grande, o colocou no bolso junto com alguns diamantes. Foi andando de costas, olhando para seu pai, até chegar à porta. Virou-se, abriu a porta e correu...

Correu e correu. Chorando, desesperado... Correu...
Vagou até chegar à outra cidade. Triste como nunca, estava Josué.
Batendo a fome, ele vendeu os diamantes que estavam em seu bolso, arrecadou um bom dinheiro que o sustentou por um tempo bom tempo enquanto ele andava sem rumo de cidade em cidade.

Josué não ligava mais para riquezas, porém não se desfazia do copo, pois anos e anos de ganância não iriam embora rapidamente.

Por fim, seu dinheiro acabou e sua lucidez aos poucos ia voltando.
Vivendo sem nada no meio das ruas, Josué ainda tinha suas insônias, mas no que pensava nas noites da rua, era sobre a vida que levara e aonde chegou. O que e dinheiro e a ganância fez com que ele fizesse.
E passava noites acordado vagando sem rumo, pensando e pensando.
Sem conseguir mais chorar, pois fizera demais ao longo de sua vida, Josué já velho sofria para conseguir comida. Fugitivo da lei e de sua consciência aquele homem refletia cada minuto de sua vida, porém sem muito que fazer, ficava como estava.

Dias correram e Josué conhece Túlio. Um menino de 11 anos que lhe dá atenção suficiente para conquistá-lo.
Constantemente Túlio visitava Josué que passou a considerá-lo um amigo, e vice-versa.
Encontravam-se na praça central da cidade, e logo a frente havia um supermercado, onde a família de Túlio fazia compras e tinham conta, bem ao estilo do interior, onde pegavam a mercadoria e o atendente anotava em um caderno.
Josué conhecendo esse artifício pede Túlio pra lhe arranjar comida, e Túlio cede. Com o passar do tempo Túlio diz que aquilo poderá trazer problemas para ele, pois ele estava comprando muito. Na necessidade de comer e com Túlio o ajudando, Josué vê alguém que pode saber do seu segredo.
Ao contar e provar para Túlio, Josué tinha naquele momento uma forma de troca. Diamantes nunca foram tão baratos como naqueles dias. Diamantes por comida.
O tempo passava e cada vez Túlio queria mais e Josué também. Para se precaver de encrencas, Túlio vendia, também por um preço irrisório os diamantes para pagar a comida que comprara, para que seu pai não pagasse o supermercado com o caderno cheio e posteriormente ele, Túlio, não se encrencasse.
Com o tempo passando, Josué, sem perceber, foi transformando Túlio em um rapaz ganancioso. Comida, roupas e tudo mais Túlio conseguia em troca de diamantes.
E quando Túlio queria, porém Josué não, o garoto o ameaçava dizendo que contaria o segredo caso não lhe desse mais diamantes. A maldição do copo reinava por onde ele passava.

Josué percebendo que vivia seus últimos anos, quem sabe dias, vê que não pode continuar daquele jeito e resolve tentar consertar sua vida, o que seria muito difícil. Apesar da ganância de Túlio, que o ajudara bastante, Josué resolve dar o copo, no fim, para ele.

Igreja, polícia... Aonde ir para consertar sua vida? Assim pensava o velho, e o fez. Foi a uma igreja confessou e pediu perdão por seus pecados a Deus, depois foi até uma delegacia e contou tudo que fizera para um delegado, que achou aquilo tudo muito estranho, e resolveu não prender o velho homem por 'n' motivos. Primeiro por achar ele e o que contara muita loucura, e também por ser um velho em seus últimos dias.

Feito isso Josué despediu-se de Túlio e lhe deu o copo.
Assim como Lúcio, seu pai fizera, Josué fez com o garoto Túlio. Não o precaveu dos males que o copo traria caso ele não tomasse os devidos cuidados.

Josué saiu da cidade e nunca mais foi visto.

Túlio passou a possuir o copo milagroso (...) .




Inspirado em trecho do filme O Caçador de Pipas

Imagem: André Luiz Poyer

Um comentário:

Anônimo disse...

nooossa' qe história hein?! ;x
até onde um ser humano chega por simples riquezas, :|

maas, seu blog tá maaaaraa*.*
adoro seus posts e sua criatividade! :*

beijosMIL.